Eu, Mãe.

Sobre necessidades.

Estive refletindo sobre que versão minha a minha filha conhece. Então veio a aflição de perceber que muito provavelmente, ela não me conhece. 
Estou exausta. Muita seriedade e muitas obrigações não partilhadas. Para criar uma criança, é necessário que toda uma comunidade contribua (dito indígena). Parece óbvio, mas ainda atribuímos a responsabilidade do cuidado e educação aos pais e estes, por fim, à mãe. 
Uma mãe sozinha cria e educa uma criança diante das possibilidades que lhe cabem no momento, e as minhas...confesso que não são assim, tão diversas. 

Arrumar, limpar, organizar e alimentar fazem parte do cuidado com os filhos e com a casa...em que momento me dedico a ser eu mesma diante da minha filha?
Será que ela já olhou pra mim alguma vez e pensou "Hum, minha mãe é a maior gata e sexy" ou então "nossa, minha mãe adora beijar na boca". Creio veementemente que não. 
E olha que nem expus aqui o mais eu adoro fazer...haha!

Partindo deste ponto, eu também não conheço minha mãe! Imagina isso, que doido! Uma vida inteira juntas e eu só conheço a versão materna dela! Arrisco em dizer, inclusive, que olhando mais fundo...ela mesma tenha esquecido outras de suas versões. Porque a maternidade solo é isso mesmo: solidão, solitude, anulação. 

Talvez em algum momento a gente esqueça que nossas versões de pessoa-mulher também são importantes, pra nós mesmas e pras nossas filhas...afinal, estamos educando mulheres (me refiro à minha experiência). Em que momento posso ser um espelho de mulher feminista, livre, politizada, graduada, especializada, se me anulo pra ser exclusivamente mãe? Eu sei...em algum momento vai soltar um parafuso e vou ficar desorientada. Este momento pode ser agora, inclusive!

Talvez nunca mais eu consiga conhecer minha mãe. Agora, idosa, possivelmente nem ela saiba mais quem é deslocada de uma versão de maternidade solitária que lhe foi exigida. Meu deus...que coisa grave! A trajetória de uma pessoa foi parcialmente interrompida por uma opção que não fez...que sociedade cruel.

Pensando nisso, é possível que ao chegar aos 60, minha filha e eu também não nos conheçamos...e que eu seja apenas a solitária versão de uma mãe cansada, que não tem outras faces além dessa. Não quero que isso aconteça...mas como posso fazer? 

Quantas coisas já abri mão de fazer e ser por ser mãe? E minha mãe? E minha avó? Minhas tias? Minhas primas? Minha irmã?

Não falta só empatia. Faltam políticas públicas de inserção da mãe na sociedade, que lhe garanta boas condições de empregabilidade, mas principalmente, segurança e tranquilidade pra que ela possa exercer seu trabalho. Onde deixamos nossos filhos quando saímos de casa? Façlta a desresponsabilização exclusiva da mãe em relação aos filhos. Falta olhar pra essa mulher com mais carinho e lembrar que existem necessidades: lazer, cultura, educação...uma relação amorosa, um sono tranquilo sem despertador, um dogão na rua com bastante maionese, um filminho no cinema no meio da semana...um dia de sol com um biquini minúsculo pra lembrar da grande gostosa que é. 
"É necessário toda uma aldeia pra criar uma criança."

A maternidade é solitária, cruel, pesada e dolorida. E isso não tem nada a ver com o amor que sentimos por nossos filhos. Isso tem a ver com as versões nossas que ficaram pra trás e que nos fazem falta. 
Como posso ensinar à minha filha que não precisa ser assim se ela assiste, todos os dias, que é assim? 
Se todos os dias ela ouve de mim o quanto estou cansada...e que tô "velhinha"? 
Ai, minha filha...como eu queria partilhar com você todas as minhas versões...e que assim você pudesse ver que eu sou além dessa pessoas exausta...que sonho!

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